(…) Havia no amor de Cristo uma espécie de identificação abstrata, ou, pior ainda,
um ardor de dar sem nada tomar. Cristo não queria responder às expectativas de seus
discípulos, e mesmo assim não desejava conservar nada, nem sequer a parte inviolável
de si mesmo. Tinha algo de suicida. Lawrence escreve um romance, O homem que morreu,
pouco antes de seu texto sobre o Apocalipse: nele imagina Cristo ressuscitado
(“despregaram-me rápido demais”), porém também enjoado, dizendo “isso nunca mais”.
Reencontrado por Madalena, que deseja dar-lhe tudo, percebe no olhar da mulher um
pequeno clarão de triunfo, na voz um tom de triunfo em que se reconhece a si mesmo.
Ora, é o mesmo clarão, o mesmo tom presente entre aqueles que tomam sem dar. No
ardor de Cristo e na cupidez cristã, na religião do amor e na religião de poder, há
a mesma fatalidade: “Dei mais do que tomei, e também isso é miséria e vaidade. Não
passa, ainda, de uma outra morte… Agora ele sabia que o corpo ressuscita para dar
e para tomar, para tomar e para dar, sem cupidez”. (“Nietzsche e São Paulo, D. H.
Lawrence e João de Patmos.” in Crítica e Clínica / Gilles Deleuze; tradução de Peter
pál Pelbart. – São Paulo: Ed. 34, 1997, p. 60-61)